sábado, 30 de novembro de 2013

NOTAS DE UM MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM EM FESTIVAIS DE QUADRINHOS




Em novembro de 2013, coloquei meus pés calejados e às vezes malcheirosos pela primeira vez em eventos de quadrinhos, coisa pela qual nunca me interessei (nunca quis conhecer os autores que admiro, sua obra me basta, e nunca há descontos decentes para quem quer comprar gibis). Só participei desta vez porque estive lá a trabalho, lançando e vendendo o El Fanzine #3, publicado em parceria com os amigos ABC, Pato Vargas e Tito Camello, com participação de Vagner Francisco (leia dois posts abaixo). Seguem abaixo meus breves palpites sobre os dois eventos em questão:

FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos)

- O paraíso dos independentes: mais de 130 lançamentos, várias mesas e estandes dedicados apenas a publicações independentes, além de um público bastante interessado neste filão. Bem legal para conhecer outras pessoas que compartilham com você os mesmos problemas mentais.

ABC, Tito Camello, eu e Pato Vargas
- Há poucas editoras presentes. Não prestei muita atenção porque estive ocupado vendendo gibis, mas vi um estande da Nemo e nada mais. Vi lá o André Conti, editor de quadrinhos da Companhia das Letras, e o Lobo, que era editor da extinta Barba Negra, e só. Mesmo o pessoal do Maurício de Sousa, entre os quais o Sidney Gusman, apareceu lá para lançar as graphic novels e se mandou. Ainda há um desinteresse profundo das editoras pela produção nacional de HQs e acredito que isso não vai mudar.
 
Compreendo a necessidade de buscar o "tiro certo", o investimento com garantia de retorno, mas ainda há poucos profissionais da área interessados em fuçar a selva de títulos independentes em busca de alguma coisa com potencial. Os lançamentos formais se dividem entre os originais criados pelos grandes nomes do ramo e pelas adaptações oportunistas de clássicos da literatura, de olho na grana pública do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e do Programa de Ação Cultural (ProAC).

- Mesmo entre os independentes há uma forte predominância de temas ligados a terror, ficção científica e humor - sátira, mais especificamente. Nada contra. Qualquer tema pode ser bom. O que considero problemático é a importação modelo "camisa de força", sem a necessária aclimatação.

Pato Vargas, Tito Camello, eu e ABC
no fim do "expediente" no FIQ
Os temas e o visual de uma história precisam ser adaptados de alguma forma ao nosso passivo cultural, tornando as histórias menos pastiches literais dos originais gringos e mais uma versão genuinamente nacional do negócio. Não falo em colocar macacos e onças e índios e quilombos e terreiros no espaço, mas imaginar como nosso país, com seu fardo cultural e histórico, se encaixaria nesses cenários. Mesmo o visual dos personagens é geralmente nórdico ou anglo- saxão, o que é muito estranho para um mulatinho suburbano como eu.

 Não me interessam histórias folclóricas, mas uma releitura destes gêneros com molho nacional seria mais interessante do que a imitação pura e simples - algo como o imaginado pelo Giorgio Galli, que usa as lendas brasileiras no lugar dos monstros clássicos do terror em sua série Salomão Ventura.
George Perez, em uma convenção nos
EUA, reproduzindo sua famosa capa

COMICMANIA

- Evento para fanboys Marvel/DC/Image, com Dynamite correndo por fora, com foco na venda de gibis e souvenirs. Super-heróis e personagens tradicionais das grandes editoras comerciais americanas são o forte deste evento, onde os independentes são bem vindos e muito bem recebidos pela organização, mas são uma reles curiosidade menor para o público. Talvez o problema seja mesmo minha cidade natal, o Rio de Janeiro, que enxerga quadrinhos como um aleijão nerd (odeio essa palavra) e nada mais. Talvez se tirássemos as praias...


- O Castelinho do Flamengo, onde acontece o evento, é lindo por fora mas estranho por dentro: é uma longa escadaria com algumas salas anexas, o que dificulta a circulação do público. A mesa dos independentes, onde estão o El Fanzine e os parceiros Leandro Reboredo (Sobrevivendo) e Guilherme de Sousa (Quer Dançar?) e onde esteve por um dia Giorgio Galli (Salomão Ventura), fica isolada no terceiro e último andar do Castelinho, na torre onde ficou presa a Rapunzel. Como nenhum de nós tem o apelo da Rapunzel e muito menos a cabeleira, fica difícil convencer alguém a subir até lá. Mesmo assim, temos vendido muito bem, o que nos faz gostar de verdade do evento. Ainda assim, caso minha sugestão valha alguma coisa, organização: mudem de lugar e de formato. Dêem mais espaço para os independentes, que são o sopro de vida em qualquer evento deste tipo (sem querer legislar em causa própria porém já legislando).

É dura a vida de cosplayer pobre
- Tirando esses problemas menores, é impressionante como a maioria absoluta das pessoas ligadas a quadrinhos é sinceramente gente boa. Tanto os brasileiros quanto os convidados estrangeiros destes dois eventos foram invariavelmente simpáticos e educados. O nível de gentileza ultrapassa a maioria dos demais ambientes que já frequentei em toda a minha vida, o que faz minha alma desconfiada às vezes suspeitar de que estão tentando me enganar, mas não estão. Eles são assim mesmo.


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